PENSANDO A EDUCAÇÃO
Em 1993 a UNESCO reuniu uma comissão de especialistas de todo o mundo com o objetivo de pensar a Educação necessária para o Século XXI. O Relatório Jacques Delors, como ficou conhecido o resultado de três anos de trabalho, foi publicado no Brasil com o título ‘Educação: Um tesouro a descobrir’ pela Cortez Editora em co-edição com a UNESCO e o MEC.
Nele, a elaboração de um quadro prospectivo constatou os progressos científicos e tecnológicos vertiginosos da humanidade nas últimas décadas, acompanhado, entretanto, de um processo perverso de exclusão e desigualdades sociais para a maioria das populações. Adicionalmente registrou a conscientização crescente dos perigos que ameaçam nosso ambiente natural mas sem que se afirmem vontades e disponibilizem meios para a resolução do problema.
Face à magnitude de tais questões o relatório propôs repensar nossas sociedades atuais e renová-las a partir de políticas educacionais assentadas em novos paradigmas, respeitadas naturalmente as características próprias de cada sociedade, de cada país. Foram definidos quatro pilares básicos da Educação necessária para o Século XXI, assim ordenados: aprender a conhecer, a fazer, a viver juntos, a ser. Alguns excertos do Relatório/Livro (págs. 89 a 101) esclarecem a proposição dos autores.
Os quatro pilares da educação
“Dado que oferecerá meios, nunca antes disponíveis, para a circulação e armazenamento de informações e para a comunicação, o próximo século submeterá a educação a uma dura obrigação que pode parecer, à primeira vista, quase contraditória. A educação deve transmitir, de fato, de forma maciça e eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. Simultaneamente, compete-lhe encontrar e assinalar as referências que impeçam as pessoas de ficar submergidas nas ondas de informações, mais ou menos efêmeras, que invadem os espaços públicos e privados e as levem a orientar-se para projetos de desenvolvimento individuais e coletivos. À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele.”
A analogia entre educandos e navegadores foi muito rica e feliz, pois as ‘ondas de informações mais ou menos efêmeras que invadem os espaços públicos e privados’ têm provocado a submersão de enormes contingentes populacionais nos mares da imprevidência, da inconsequência, do imediatismo, com consequências danosas para comunidades e meio ambiente. Nessa ótica, o acréscimo meramente quantitativo da bagagem escolar é mais que indesejável, é inadequado como resposta à ‘onda de informações’. Agora é essencial saber trabalhar as informações para extrair e construir com elas o conhecimento necessário à vida plena. Na analogia dos autores, educar implica fornecer os mapas, a bússola e o entendimento de manuseio para que se faça uma navegação segura e proveitosa.
“Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão, de algum modo, para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que essas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta.”
1. “Aprender a conhecer – Esse tipo de aprendizagem que visa não tanto à aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes ao domínio dos próprios instrumentos do conhecimento pode ser considerado, simultaneamente, como um meio e como uma finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades profissionais, para comunicar. Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir.”
Viver e conviver. Duas idiossincrasias dos seres vivos. Entre os humanos elas adquiriram muita complexidade em razão da sociedade abrangente, mutante e dominante que fomos capazes de criar. Para vivê-la é necessário conhecer as leis que regem o mundo natural, mister que a Ciência tem se ocupado nas universidades, institutos e laboratórios de pesquisa, faculdades e colégios. Para conviver é imprescindível o conhecimento dos códigos de comunicação e de comportamento que pactuam normas, direitos e deveres.
“Contudo, como o conhecimento é múltiplo e evolui infinitamente, torna-se cada vez mais inútil tentar conhecer tudo e, depois do ensino básico, a omnidisciplinaridade é um engodo. A especialização, porém, mesmo para futuros pesquisadores, não deve excluir a cultura geral. “Um espírito verdadeiramente formado, hoje em dia, tem necessidade de uma cultura geral vasta e da possibilidade de trabalhar em profundidade determinado número de assuntos. Deve-se, do princípio ao fim do ensino, cultivar, simultaneamente, essas duas tendências.”
A cultura geral vasta é decisiva para a comunicação social. A interação entre indivíduos só acontece a partir de pontos de intersecção de interesses e conhecimentos comuns. Quanto maior o número desses pontos, mais fácil a comunicação, mais espontânea a cooperação. Mesmo na pesquisa científica os avanços significativos têm ocorrido nos pontos de intersecção das diversas disciplinas.
A amplitude da cultura proporciona o voo panorâmico que revela o todo e as singularidades. Entretanto, a possibilidade da especialização deve ser estimulada porquanto é dela a tarefa de extrair relações e correlações específicas nos objetos de estudo e trabalho. O voo panorâmico precede o mergulho tópico. Duas ações complementares que devem estar presentes no processo de educar para o Século XXI caracterizado pelo aprender constante, pelo rever permanente, pelo APRENDER A APRENDER. Já não basta ao artesão do conhecimento a familiaridade com a matéria-prima, técnicas e utensílios. É necessário reinventá-los a cada momento. Agora os diplomas e certificados têm prazo de validade porque os conhecimentos que eles chancelam embora imperecíveis sofrem caduquice. Tornam-se obsoletos rapidamente. Um processo educativo fundamentado no APRENDER A APRENDER possibilita a prática da educação permanente na medida em que fornece as bases para que o indivíduo continue aprendendo ao longo da vida.
2. “Aprender a fazer – Aprender a conhecer e aprender a fazer são, em larga medida, indissociáveis. Mas a segunda aprendizagem está mais estreitamente ligada à questão da formação profissional: como ensinar o aluno a pôr em prática os seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua evolução?”
A mutação rápida de expectativas e demandas na atividade econômica cria um quadro de incertezas e indefinições nas qualificações profissionais. A habilidade profissional mais requisitada hoje pode não sê-la amanhã em decorrência da inovação tecnológica ou novidade adversa. O que aprender a fazer para garantir inserção social? A resposta passa de novo pela capacidade de transformar-se, de adequar-se às novas realidades, de EMPREENDER novas tentativas. O espírito empreendedor elimina barreiras culturais, comerciais; quebra paradigmas; encurta distâncias; globaliza e renova conceitos econômicos; cria novas relações de trabalho, novas atividades, novos empregos; gera riqueza para a sociedade assumindo riscos calculados.
As habilidades requeridas ao indivíduo empreendedor são técnicas e também pessoais. É fundamental que ele possua o domínio permanentemente atualizado de tecnologias e códigos, mas que ao mesmo tempo seja capaz de interagir, cooperar e liderar nos meios econômicos e social. Aprender a fazer ganha no século XXI a dimensão do aprender a empreender. Cabe, portanto, à Escola o papel de estimular as habilidades empreendedoras inatas dos educandos vocacionados e despertar em todos os outros a inclinação pela capacitação empreendedora que inova e promove tanto o empreendedorismo social quanto o empresarial.
3. “Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros – Sem dúvida, essa aprendizagem representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O mundo atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta por alguns no progresso da humanidade. A história humana sempre foi conflituosa, mas há elementos novos que acentuam o perigo e, especialmente, o extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade no decorrer do século XX. A opinião pública, através dos meios de comunicação social, torna-se observadora impotente e até refém dos que criam ou mantêm os conflitos. Até agora a educação não pôde fazer grande coisa para modificar essa situação real. Poderemos conceber uma educação capaz de evitar os conflitos ou de os resolver de maneira pacífica, desenvolvendo o conhecimento dos outros, das suas culturas, da sua espiritualidade?”
Nas sociedades subdesenvolvidas o esgarçamento do tecido social resulta da apropriação desequilibrada dos recursos materiais que gera disparidades de renda significativas. Regra geral, uma multidão de desvalidos e miseráveis convive com uma minoria de ditosos. A perpetuação e o agravamento dessa relação injusta e tensionada encontram suporte em estruturas econômicas perversas e aprisionadoras que impedem a mobilidade social.
Muitas vezes, exemplos indecentes são utilizados para passar a falsa impressão de que a mobilidade é possível. Ilustrações com casos de ascensão de desportistas, artistas e políticos oriundos dos segmentos mais pobres da população encobrem, pela fulgurância com que aparecem nos meios de comunicação, a inexpressividade em termos quantitativos. A relação sucesso/insucesso está na escala de um por centenas de milhares. A verdade revelada por estudos socioeconômicos da ONU/UNESCO, Banco Mundial e outras instituições internacionais é que as disparidades de renda entre e dentre os países têm crescido. O Brasil é um dos campeões nesse gênero de iniquidade.
Vários estudos apontam para uma correlação direta entre pobreza e baixo nível de educação. A ausência de programas educacionais amplos e honestos, com perspectivas de médio e longo prazos, comprometidos com transformações sociais cristaliza a pobreza. Indica claramente que a parcela da população privilegiada em renda, que em última análise dita as políticas de investimentos públicos e privados, sofre a miopia política de considerar que é possível manter esse desequilíbrio indefinidamente. Uma tolice que, em simples consulta à história dos povos, mostra-se inviável. É a doença infantil do imediatismo.
Percebe-se facilmente uma relação de causa e efeito entre a ausência de educação e o pensar e fazer imediatistas. O imediatismo não se preocupa com a origem, as dinâmicas dos processos e suas consequências. Ele vive o presente mais urgente, mergulhado em uma visão de mundo míope e conveniente. No imediatismo o sucesso resulta quase sempre da astúcia e do oportunismo e é, portanto, efêmero. A cultura imediatista impede a formação de laços e relações estáveis e, por consequência, a construção de uma sociedade justa e solidária.
Regra geral, os homens têm interesse em unir-se em sociedade porque nela reconhecem uma entidade mais variada, mais eminente e mais rica do que a sua própria individualidade concreta e, só unindo-se a ela, consegue realizar plenamente todas as possibilidades de sua natureza. O imediatismo oblitera esse reconhecimento e o interesse pessoal se sobrepõe ao coletivo.
Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros compreende uma mudança de paradigmas que só a educação pode favorecer. Isso é a troca do fruir imediato e inconsequente pelo plantar e colher resultados duradouros.
“Educar sempre foi e continua a ser hoje uma tarefa eminentemente social. A formação da personalidade madura resulta tanto do fortalecimento da autonomia pessoal como da construção de uma alteridade solidária, ou seja, do processo de descoberta do outro como atitude moral. A humanização concebida como crescimento interior do indivíduo encontra seu pleno desenvolvimento no ponto onde se encontram de modo permanente os caminhos da liberdade e da responsabilidade.”
O caráter pluridimensional da educação ganha mais relevância quando se alcança a compreensão de que as sociedades são cada vez mais multiculturais. Nessa perspectiva, pensar a educação requer um movimento do olhar em direção aos aspectos necessários à formação de valores e atitudes. Em suma, aprender a conviver requer desenvolver atitudes de cooperação, tolerância, respeito, capacidade e predisposição para colocar-se no lugar do outro, exercício do diálogo e aceitação do diferente.
A aspiração de uma educação para a convivência inclina-se também para a necessidade da formação da personalidade do educando, investida de significação individual – não fechada em si mesma, fruto do esforço solitário – mas aberta à descoberta do outro, à colaboração, entendendo que os humanos se humanizam no aprender a ser.
Nesse sentido, aprender a ser ultrapassa a categoria dos chavões próprios dos doutrinamentos que visam impor um sistema moral e cobrar obediência. Ganha o mesmo destaque que outras aprendizagens têm no contexto escolar. Está posto como requisito para que homens e mulheres desenvolvam sua personalidade, ajam com autonomia, expressem opiniões e assumam responsabilidades pessoais.
4. “Aprender a ser – Esse desenvolvimento do ser humano, que se desenrola desde o nascimento até a morte, é um processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo para se abrir, em seguida, à relação com o outro. Nesse sentido, a educação é antes de mais nada uma viagem interior, cujas etapas correspondem à da maturação contínua da personalidade.”
O programa da UNESCO Aprender para o Século XXI reafirma um princípio fundamental: a educação deve potencializar e propiciar o desenvolvimento integral do ser humano. Pela educação, mulheres e homens tornam-se capazes de comparar, valorar, escolher, intervir, decidir, mudar. Inteligência, sensibilidade, sentido estético, liberdade, responsabilidade sob a égide da Ética vão contornando a imagem do ser.
No exercício de estabelecer juízos de valor e elaborar pensamentos autônomos e críticos para decidir e agir em cada circunstância, os seres humanos se humanizam uns aos outros. A educação nesse contexto ratifica o seu papel no desenvolvimento da personalidade e na formação da autonomia. Assim, compreende-se que ela deve conferir ao aprendiz a liberdade de pensamento, discernimento, sentimento, imaginação para o desenvolvimento das habilidades e para a apropriação do seu próprio destino. Portanto, tudo o que isola, segrega, entorpece o discernimento, embota os sentimentos, limita a imaginação e cerceia a liberdade constitui-se desumanização e, por isso mesmo, “deseducação”.
Professores, orientadores, coordenadores, funcionários e direção do Colégio Helyos comungam e fazem prática diária desses princípios. Eles fundamentam nosso Projeto Pedagógico e balizam o planejamento de nossas ações futuras como instituição educadora.